Entrevista completa com Anna Hens sobre Homeschooling – Educação Domiciliar
Criado há 10 anos na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que regulamenta no Brasil a prática do ensino domiciliar – também chamado de homeschooling – está pronto para ser votado. A relatora da proposta, deputada federal Luísa Canziani (PSD-PR), apresentou na semana passada o seu parecer, que impôs algumas restrições à modalidade. Agora, o projeto pode ser pautado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A previsão é de que ele possa tramitar ainda em maio.
Entre as exigências da relatora está a determinação de que, pelo menos, um dos pais do aluno homeschooler tenha no mínimo um diploma em educação profissional tecnológica. A criança ou o adolescente que recebe o ensino domiciliar também teria que manter matrícula em uma escola, a fim de passar por avaliações periódicas de seu desempenho. Além disso, o estudante que repetir de ano duas vezes seguidas ou três alternadas será obrigado a voltar a frequentar a escola.
A pauta é considerada um aceno do governo federal aos eleitores evangélicos e foi resgatada depois que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o homeschooling era inconstitucional enquanto não fosse regulamentado em lei. A preocupação é de que ele vá a votação antes do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho, já que, depois dele, os trabalhos em plenário podem sofrer drástica redução em razão da campanha eleitoral, visto que muitos deputados e senadores devem disputar a reeleição ou outros cargos em outubro.
A sentença do STF gerou uma onda de propostas em Estados e municípios de todo o Brasil. No Rio Grande do Sul, um projeto de lei que autorizava o ensino domiciliar chegou a ser aprovado pela Assembleia Legislativa, mas vetado, posteriormente, pelo então governador Eduardo Leite. Já em nível municipal, a proposta foi aprovada em Porto Alegre pela Câmara de Vereadores e não recebeu o veto do prefeito Sebastião Melo. Agora, apesar de questionamentos jurídicos sobre a sua constitucionalidade, a nova legislação já está criada e depende de um decreto municipal especificando detalhes técnicos para entrar em vigor.
Coautor do projeto de lei em Porto Alegre, o vereador Hamilton Sossmeier (PTB) aponta que, atualmente, reuniões técnicas têm sido realizadas junto a equipes da Secretaria Municipal de Educação (Smed) e que, na rede privada, duas escolas – o Colégio Adventista e a Escola Reverendo Olavo Nunes – já manifestaram interesse em se credenciar para receber matrículas de alunos homeschoolers. Nesse caso, as instituições de ensino ficariam responsáveis por aplicar provas regularmente nesses estudantes.
— Ainda estamos fazendo os ajustes técnicos para definir, por exemplo, com qual regularidade o aluno vai prestar a prova, além de outras questões, para que a implementação do homeschooling aconteça com a maior tranquilidade possível. Acreditamos que o padrão de Porto Alegre servirá de modelo para outros municípios — afirma Sossmeier.
“Educação é processo coletivo”
O Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) tem acompanhado o assunto e demonstra preocupação principalmente com a falta de socialização no ensino domiciliar, o que as escolas oferecem.
— Família e escola são importantes para o processo de ensino-aprendizagem. Se tu tens só a família, tu não tens a relação completa, porque a relação é diferente entre aluno e professor. A escola é um local onde o aluno pode conhecer um mundo diferente do que ele tem em casa — defende o presidente do Sinepe/RS, Bruno Eizerik.
Para o sindicalista, tirar as crianças das escolas é mantê-la em uma “bolha”, sem saber que há colegas criados em famílias diferentes, com pensamentos diferentes, que têm raças e cores diferentes. Eizerik questiona, ainda, qual será a capacidade dos pais de oferecer um ensino de qualidade aos seus filhos.
A presidente do Cpers/Sindicato, Helenir Schürer, destaca que a pandemia evidenciou ainda mais as fragilidades do homeschooling:
— Muita gente que era favorável começou a repensar, porque a educação não é individual, é um processo coletivo, por isso a importância da escola, dos alunos, da coletividade. É processo de afetividade.
Helenir aponta, ainda, que não há estrutura para fiscalizar o desenvolvimento dos processos educacionais realizados pelos pais com as crianças, o que tornaria ainda mais difícil a implementação adequada o ensino domiciliar.
“O ensino doméstico não vai competir com o ensino escolar”
Segundo Sossmeier, a prática do homeschooling é muito procurada por pais que viajam com frequência e gostariam de levar seus filhos junto. Outra demanda é por uma autonomia maior na hora de educar a criança.
— Os pais querem ter condições de poder formar seu próprio filho e ser protagonistas dessa educação. Também há casos de filhos que têm algum problema e os pais não querem que se exponham na escola, para não sofrer bullying. São várias questões muito pessoais de determinadas famílias — cita o vereador.
No que se refere à falta de socialização, Sossmeier relata que muitos pais homeschoolers criam uma espécie de academia, onde os alunos do ensino domiciliar se encontram com alguma regularidade, a fim de manter o vínculo com outras pessoas de sua idade. No entendimento do parlamentar, esta poderia ser uma possibilidade.
Para Anna Hens, diretora pedagógica da Homeschool Annabel, um espaço que oferece complemento escolar e apoio educacional às famílias, a prática não chegou para competir com a escola tradicional, mas para oferecer uma alternativa às crianças e adolescentes que necessitam de um apoio diferenciado. A fundadora pontua que cada criança tem uma forma de aprender e que as singularidades precisam ser observadas, fortalecendo a autonomia do aluno.
Na instituição dirigida por Anna, os pais aprendem junto com os filhos, para que o aprendizado seja personalizado e compartilhado. Ela pontua que, na fase de implementação da prática no Brasil, ainda é fundamental que haja a supervisão de um profissional capacitado para auxiliar os pais na condução das disciplinas, assim como na aplicação de avaliações.
— Tem que haver uma regulamentação, pois precisamos ensinar a família a ser homeschooling nesse primeiro momento. Até que cheguemos a um patamar mais avançado dessa legislação, é preciso que esses pais tenham uma formação acadêmica, ou estejam estudando. Sabemos que o Brasil está em uma decadência educacional. Não apresentamos bons índices e esse sistema foi criado como uma crítica ao sistema de educação que temos hoje — comenta.
Ela reforça que ensino doméstico é diferente de ensino à distância e que a socialização das crianças é estimulada e exigida com a aplicação de diferentes atividades extracurriculares.
A discussão sobre o homeschooling
- Em 2012, um projeto do deputado federal Lincoln Portela (PL-MG) propôs o acréscimo da possibilidade de oferta domiciliar da Educação Básica na Lei de Diretrizes e Bases.
- A proposta andou pouco na Câmara dos Deputados até 2019, quando o STF decidiu pela inconstitucionalidade do homeschooling no Brasil, até que fosse regulamentado por lei.
- Desde então, projetos de lei que tratam do ensino domiciliar foram propostos em diferentes Casas Legislativas de estados e municípios brasileiros.
- No RS, uma proposta do deputado estadual Fábio Ostermann (NOVO) chegou a ser aprovada pela Assembleia Legislativa em 2021, mas posteriormente vetada pelo então governador Eduardo Leite. A Casa, depois, manteve o veto.
- Em Porto Alegre, a Câmara de Vereadores aprovou um projeto sobre o assunto em 2021, de autoria de Fernanda Barth (PRTB) e Hamilton Sossmeier (PTB). Após o silêncio do prefeito Sebastião Leite, a lei foi promulgada em março de 2022.
Publicado por Gaúcha ZH – 02/05/2022
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